A problemática das vendas à consignação

Refira-se que num contrato de consignação, relativo a mercadorias, o consignante entrega, temporariamente, existências a um terceiro, o consignatário, para que este proceda à sua venda.

Assim, as mercadorias que ficarão em poder do consignatário, não são de sua propriedade, embora seja por elas responsável, pelo que não deverá contabilizá-las como existências próprias.

A posse, e a posterior transmissão, só se considera efectuada quando o consignatário puser as mercadorias à disposição do respectivo adquirente, pelo que esta venda deve então ser comunicada ao consignante, o qual, por seu lado, emite a factura definitiva da venda das mercadorias ao consignatário, fazendo referência à factura emitida pelo envio dos bens, e este, por sua vez, emitirá a factura ao adquirente.

Por isso, as vendas à consignação, embora sejam alvo de facturação, tal como estabelece o n.º 1 do artigo 38.º, do Código do IVA, e comunicada à AT, conforme dispõe o artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 198/2012, de 24 de Agosto, apenas deverão ser reconhecidas como proveitos depois do consignatário efectuar a venda efectiva das mercadorias aos seus clientes.

Em termos contabilísticos, o envio das mercadorias à consignação não deve ser reconhecido como proveito, pois nesse momento somente se verifica uma mera transferência entre o armazém do proprietário dos bens, o consignante, e o armazém do consignatário.

Assim, o consignante, com base na factura emitida, conforme acima referido, regista essa transferência debitando a conta 326“X” – Inventários – Mercadorias – Mercadorias em poder de terceiros – Consignatário “X”, por crédito da conta 321 – Inventários – Mercadorias – Armazém.

Posteriormente, quando o consignatário informar que já procedeu à venda dos bens, o consignante emite a factura referente a essa venda, liquidando o respectivo IVA, e procede aos correspondentes registos, ou seja, debita a conta 211 – Clientes – Clientes c/c, por crédito das contas 71 – Vendas e 2433 – IVA Liquidado, e, simultaneamente, debita a conta 611 – CMVMC – Mercadorias, por crédito da conta 326“X” – Inventários – Mercadorias – Mercadorias em poder de terceiros – Consignatário “X”.

Note-se que na factura a emitir ao consignatário relativa â venda dos bens deve ser feita referência à factura inicial da entrega dos bens à consignação.

Em sede do Código do IVA, esta matéria encontra-se prevista no artigo 38.º – Facturação de mercadorias enviadas à consignação, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 197/2012, de 24 de Agosto, artigo este que dispõe:

1 - No caso de entrega de mercadorias à consignação, procede-se à emissão de facturas no prazo de cinco dias úteis a contar:

    a) Do momento do envio das mercadorias à consignação;

    b) Do momento em que, relativamente a tais mercadorias, o imposto é devido e exigível nos termos dos n.ºs 5 e 6 do artigo 7.º

2 - A factura, processada de acordo com a alínea b) do número anterior, deve fazer sempre apelo à documentação emitida aquando da situação referida na alínea a) do referido número.

De acordo com doutrina emanada pela Administração Tributária, mais concretamente nos pontos 4, 5, 5.4 e 5.4.1, do Ofício-Circulado n.º 30.072 – da DSIVA – de 28 de Junho de 2004, Ofício-Circulado este dedicado ao esclarecimento de dúvidas suscitadas pelo aditamento da alínea f) ao n.º 5 do então artigo 35.º, actual artigo 36.º, do Código do IVA, pelo Decreto-Lei n.º 256/2003, de 21 de Outubro.

«4. Nos termos do n.º 2 e seguintes do art.º 7.º do Código do IVA, considera-se que os bens são colocados à disposição e as prestações de serviços são realizadas, nomeadamente:

    a) Nas transmissões de bens que impliquem a obrigação de instalação ou montagem por parte do fornecedor no momento em que     essa instalação ou montagem estiver concluída;

    b) Nas transmissões de bens e prestações de serviços de carácter continuado, resultantes de contratos que dêem lugar a     pagamentos sucessivos, no termo do período a que se refere cada pagamento, ou caso não seja fixada periodicidade de pagamento     ou esta seja superior a 12 meses, no final de cada período de 12 meses, sendo o imposto devido e exigível pelo respectivo     montante;

    c) Nas transmissões de bens entre comitente e comissário ou entre consignante e consignatário, no momento em que o comissário     ou consignatário os colocar à disposição do seu adquirente;

    d) Nas mercadorias entregues à consignação, no termo do prazo de um ano a contar da data da entrega ao consignatário, caso não     se verifique a sua devolução dentro desse prazo.

5. Face às regras atrás referidas, tendo em vista simplificar e harmonizar procedimentos, devem os sujeitos passivos , para efeitos da aplicação da alínea f) do n.º 5 do art.º 35.º [actual artigo 36.º] do Código do IVA, atender ao seguinte:

5.4. Nas mercadorias à consignação e transmissões de bens ao abrigo de um contrato de comissão

Nos termos do art.º 3.º n.º 3 alínea c) do Código do IVA, consideram-se transmissões de bens as transferências de bens entre consignante e consignatário, bem como as transferências entre comitente e comissário, efectuadas em execução de um contrato de comissão definido no Código Comercial.

Por força da alínea d) da mesma norma legal, consideram-se ainda transmissões de bens, a não devolução, no prazo de um ano a contar da data da entrega ao destinatário, das mercadorias enviadas à consignação.

Nestas situações, e por força do art.º 7.º n.ºs 5 e 6, o facto gerador ocorre, respectivamente:

    • No momento em que o consignatário ou comissário puser os bens à disposição do seu adquirente;

    • No termo do prazo de um ano, no caso da não devolução das mercadorias enviadas à consignação.

Para cumprimento da alínea f) do n.º 5 do art.º 35.º [actual artigo 36.º] do Código do IVA, haverá que ter em consideração o seguinte:

5.4.1. Nas mercadorias à consignação

    a)    Na emissão da factura pelo consignante ao consignatário, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do art.º 37.º [actual artigo 38.º] do     Código do IVA, pela entrega das mercadorias à consignação, não se verifica qualquer facto gerador, pelo que a factura não tem que     cumprir o disposto na alínea f); [Nota: Salvo melhor opinião, entendemos que deve ser mencionado na factura o motivo porque não     é liquidado o IVA, pelo que deve ser inscrito “IVA – Não sujeito”, ou “IVA – Não tributado”, e na submissão desta factura no Portal     da AT indicar o Código M99, como se encontra indicado na página 25/35, do Manual de Integração de Software – Comunicação das     Facturas à AT]

    b)    Na emissão da factura pelo consignatário ao seu cliente, pela transmissão das mercadorias, deverão ser tidas em consideração     as simplificações já referidas na alínea a) do subponto 5.1 para as transmissões de bens;

    c)    Na emissão da factura pelo consignante ao consignatário, pela transmissão de mercadorias, e para efeitos da alínea f), a data da     colocação dos bens à disposição do consignatário coincide com a da situação prevista na alínea anterior;

    d)    Na emissão da factura pelo consignante ao consignatário, pela não devolução no prazo de um ano, deverá constar a data do     termo desse prazo.»


Importa salientar também, o teor dos pontos 4 a 12 da Informação vinculativa referente ao Processo n.º F061 2004308, com despacho do Director-Geral dos Impostos, em 24-07-2008:

«4. Nos termos da alínea c) e d) do n.º 3 do art.º 3.º do Código do IVA consideram-se ainda transmissões de bens, respectivamente:

- “As transferências de bens entre comitente e comissário, efectuadas em execução de um contrato de comissão definido no Código Comercial, incluindo as transferências entre consignante e consignatário de mercadorias enviadas à consignação” (...).

- “A não devolução, no prazo de um ano a contar da data da entrega ao destinatário, das mercadorias enviadas à consignação”.

5. No caso do envio de mercadorias à consignação, não há lugar à liquidação do imposto por parte do consignante dado que as mesmas não foram ainda objecto de qualquer transacção. Contudo, por razões de informação e controlo, dever-se-á proceder, nos termos do n.º 1 do art.º 38.º do CIVA, à emissão de factura ou documento equivalente, contendo os elementos a que se refere o n.º
5 do art.º 36.º do CIVA (não sendo na mesma mencionado qualquer imposto), no prazo de cinco dias úteis a contar do momento do envio das mercadorias à consignação.

6. O imposto apenas será devido, por força dos n.ºs 5 e 6 do art.º 7.º do CIVA, quando ocorrer qualquer das seguintes situações:

- Venda a terceiro dos respectivos bens;

- Compra efectiva das mercadorias pelo consignatário;

- Decorra o prazo de um ano sem que se verifique a venda, a compra ou a devolução das mercadorias.

7. A liquidação do imposto será então efectuada nos termos da alínea c) do n.º 3 do artigo 3.º e da alínea e) do n.º 2 do artigo 16.º do CIVA, devendo ser processada a respectiva factura ou documento equivalente, no prazo de cinco dias úteis a contar do momento em que o imposto é devido nos termos dos n.ºs 5 e 6 do artigo 7.º do CIVA. Esta deverá fazer sempre referência à documentação emitida anteriormente aquando do envio das mercadorias do consignante para o consignatário (alínea b) do n.º 1 e n.º 2 do artigo 38.º do CIVA).

8. Em termos de IVA, para que as facturas ou documentos equivalentes sejam considerados emitidos em forma legal, devem obedecer aos condicionalismos estabelecidos no artigo 36.º do CIVA, contendo todos os elementos previstos no respectivo n.º 5.

9. A alínea f), aditada ao n.º 5 do referido artigo pelo Decreto-Lei n.º 256/2003, de 21 de Outubro, vem estabelecer a obrigatoriedade de as facturas ou documentos equivalentes conterem, nomeadamente, a data em que os bens foram colocados à disposição do adquirente, quando essa data não coincida com a da emissão da factura.

10. Com esta exigência pretende-se que passe a constar na factura, a data em que ocorre o facto gerador do imposto (artigo 7.º do CIVA), que é, simultaneamente, o momento a partir do qual se conta o prazo para a emissão das facturas ou documentos equivalentes (n.º 1 do artigo 36.º do CIVA).

11. Assim, relativamente às mercadorias enviadas à consignação, para cumprimento da alínea f) do n.º 5 do artigo 36.º do CIVA, determina o Ofício-Circulado n.º 30072 de 2004.06.28 da Direcção de Serviços do IVA, o seguinte:

- Na emissão da factura pelo consignante ao consignatário, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 38.º do CIVA (aquando da entrega das mercadorias à consignação), não se verifica qualquer facto gerador, pelo que a factura não tem que cumprir o disposto na alínea f);

- Na emissão da factura pelo consignatário ao seu cliente quando a transmissão de bens implica transporte ou expedição, considera-se que os bens são colocados à disposição do adquirente na data do início do respectivo transporte ou expedição, pelo que, a data a considerar, será a que consta do documento que acompanha a mercadoria em circulação, nos termos do n.º 4 do artigo 4.º do Regime dos Bens em Circulação, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 147/2003, de 11 de Julho;

- Na emissão da factura pelo consignante ao consignatário, pela transmissão das mercadorias, a data da colocação dos bens à disposição do consignatário coincide com a data referida na situação anterior;

- Na emissão da factura pelo consignante ao consignatário, pela não devolução no prazo de um ano, deverá constar a data do termo desse prazo.

12. De referir que os bens objecto de remessa à consignação são considerados, nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 2.º do Regime dos Bens em Circulação, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 147/2003, de 11 de Julho, como “bens em circulação” devendo, deste modo, os documentos de transporte que os acompanham observar todos os condicionalismos que impõe aquele diploma.»

E por fim, a doutrina constante da Informação Vinculativa referente ao Processo n.º 1084, com despacho do SDG dos Impostos, substituto legal do Director-Geral, em 2010-10-01, relacionada com a alínea c) do n.º 3 do artigo 3.º; n.ºs 5 e 6 do artigo 7.º; e artigo 38.º, que refere na conclusão constante do seu ponto n.º 14:

De harmonia com o referido, a consulente deve proceder de acordo com o seguinte:

i) A entrega de matérias-primas pela consulente nas instalações dos seus clientes, no âmbito dos contratos de fornecimento a celebrar com estes, segundo os quais a respectiva propriedade apenas se transfere à medida em que tais matérias-primas são consumidas e incorporadas pelos clientes no seu processo produtivo, configura uma transmissão de bens entregues à consignação, à qual se aplicam, com as necessárias adaptações, o disposto nas alíneas c) e d) do n.º 3 do artigo 3.º e a regra de exigibilidade do imposto prevista nos números 5 e 6 do artigo 7.º, ambos do Código do IVA;

ii) Por estas operações, a consulente está obrigada a emitir factura ou documento equivalente com os requisitos previstos no n.º 5 do artigo 36.º, nos prazos e termos previstos nos números 1 e 2 do artigo 38.º, também do CIVA;

iii) Para efeitos de verificação do momento a que se refere o n.º 5 do artigo 7.º e a correspondente emissão de factura ou documento equivalente nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 38.º, deve a consulente estar na posse de documento emitido pelo seu cliente, no qual conste a data em que utilizou, ou afectou de algum modo os bens ao consumo no seu processo produtivo, devendo o mesmo conter, também, menção da factura emitida aquando da entrega dos referidos bens à consignação.
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